sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Às Vezes.



Às vezes letras e palavras me caem da cabeça, tropeço numas, esbarro noutras, encontro algumas, outras perco entre os meus dedos e minha vaga memória. Às vezes o que sobra tento dar-lhes algum significado, alguma forma ou função que me comova, que fale aos outros algo com alguma importância, consistência, às vezes consigo, às vezes não.

Primo Ferreira

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Primal

Não me ponha palavras na boca, prefiro a tua língua, aceito tua saliva, mas rejeito teus conceitos, não temo cometer meus próprios erros, pois no erro não há solidão, rejeito o frio impecável, infalível, indefectível, não quero o não gosto, insípido e inodoro da perfeição, a solidão dos santos, prefiro o clã dos macacos, o corpo nu em pelo, o cheiro atiçando os nervos, o grunhido ancestral, o sangue e o sêmen, a saliva atiçada, os músculos tesos e os olhos faiscantes; misturar meu cheiro ao cheiro de terra fértil, até não ter mais palavra nenhuma para por na boca, só o urro proferido no momento do coito, o desejo primal de estar vivo.

Primo Ferreira

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

TONS DE CINZA NÃO SÃO CORES.

EU GOSTO QUANDO PINTO PAISAGENS COM A PALHETA DE CORES DO MEU OLHAR. MESMO QUE SEJA SÓ DE TONS DE CINZA A PAISAGEM QUE EU PINTAR. QUE NÃO SÃO CORES, MAS FORAM ELAS AS ÚNICAS NÃO CORES, QUE NAQUELE MOMENTO PÔDE BROTAR DO MEU OLHAR.

PRIMO FERREIRA

terça-feira, 4 de novembro de 2008

um pedaço de mar.


Desde eu muito menino que gosto de chegar na praia e enterrar meus pés na areia quente até sentir a umidade lamber as plantas dos meus pés, passo horas assim, até meu pé enrugar; antes gostava de boiar com a cabeça dentro d’água até não mais aguentar ficar sem respirar, sempre que isso fazia, conseguia ouvir um zunido vindo do mais profundo mar azul esverdeado, talvez de baleias, ou sereias, ou de conchas e moluscos, ou golfinhos, algas marinhas, nunca soube ao certo; gostava de nadar, hoje tenho medo, muito medo de morrer engolido pelo boca enorme do mar, sugado pela saliva salgada das ondas, levado pra sempre pro infinito verde azulado e profundo do mar; pois nasci laçado, e meu nome de pia não é Maria e nem José, dizem as boas e más línguas que quem assim nasce, assim morre, teria que ser José Maria, ou Maria José para assim não morrer; por isso, desde algum tempo que prefiro manter meus pés sempre assim, quentes e úmidos, enterrados na areia da praia, mas nunca mais consegui ouvir as baleias e as conchas cantando, maldito mar que me mete medo, oferecendo-me o peito, chamando-me sedutor, como a aranha na teia, como o canto das sereias, não sei até quando vou resistir.

Primo Ferreira

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

coisas de criança.

Quando eu crescer quero ser grande.

Primo Ferreira

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

um pedaço inevitável

Em meus cabelos flores e toda forma de insetos maravilhosos em minha cabeça, borboletas explodindo em tons cintilantes, centenas de abelhas trabalhadeiras, louva-a-deus elegantes e descrentes na humanidade, em meus dentes restos da ultima refeição que já apodrece na mesa inda posta, em minhas mãos sangue e esperma e dois pares de olhos azuis piscando pra mim, em meus cabelos um odor de incenso e mirra e patchuli, pego-me sorrindo, às vezes sem motivo algum, pego-me noutras com todos os motivos para chorar, mas há chuva e ninguém vai poder ver meus olhos lacrimejar, estou camuflado, estou flutuando, estou estatelado, estou sorrindo com todos os dentes espalhados, meu sorriso a granel no asfalto, não estou mais aqui, eu não estou mais nem ai, eu não tenho nem mais cabelos e meus sonhos todos escaparam, um a um.

Primo Ferreira

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

pequenos pedaços.

Nem tudo que sai da boca reverbera no coração!

Primo Ferreira

pequenos pedaços.

E fica a vontade de ver, de sentir estrelas no céu da boca!

Primo Ferreira

pequenos pedaços.

A paz só é plena se compartilhada, não há paraíso que resista a solidão!

Primo Ferreira

domingo, 17 de agosto de 2008

Um pedaço, meus pés.




Quantos caminhos, quantos desenhos riscados no chão, quantos espinhos e pedregulhos, mas, também, areias quentes e finas, terras molhadas, matos macios e cheirosos, exalando os aromas das várias estradas de onde vim. 

Quantas vezes me fizeram dançar desvairado, enlouquecido, até eles mesmos ficarem doridos de tanto girar e a cabeça lá do alto reclamar de zonza. 

Às vezes tiro-os do chão, deixo-os pendurados um pouco, para descansar o resto do corpo, mas logo eles reclamam e me levam pra passear, me põem pra andar, numa fome das estradas, dos caminhos e ladeiras, numa vida bandoleira sem destino, nem vontade de chegar. 

Não são bonitos, são toscos, rotos, tortos como os de bailarinas, eles não têm solas finas, mas sabem flutuar, me fazer leve, correr, subir em árvores, chutar a bola e fazer gol. 

Quando chega a noite, eles me contam sorrindo que vão me carregar por ai até quando o resto do corpo não aguentar mais em pé.

Meus pés.

Primo Ferreira

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Um pedaço antigo.

Hoje eu começo mais uma coleção, vou colecionar nuvens em formatos engraçados, estrelas cadentes sem destinos traçados, cheiros de flores, do pão fresco, da padaria na esquina da casa da minha avó, das cantigas de roda dos moleques e primos quando a rua ainda não era asfaltada; vou colecionar as lembranças engraçadas, festas e aniversários, as panelas com as sobras dos bolos que eram divididas entre os irmãos, os dedos lambuzados do doce, o brilho no olho que se renovava todo o ano frente às luzes da velha árvore de natal, o cheiro e o choro na noite de Réveillon, a queimadura dos fogos nas festas juninas, as fantasias, confetes e serpentinas dos dias de carnaval; hoje começo mais uma coleção, a mais preciosa, muito mais que os brinquedos, selos, livros, filmes, discos, álbuns de figurinhas e gibis; hoje eu começo minha coleção de velhas lembranças.

Primo Ferreira

domingo, 10 de agosto de 2008

Um vazio que transborda.

Tenho procurado muito, vasculhado dentro da cabeça, entre meus cabelos, no peito, entre minhas pernas, debaixo das unhas, nos meus ouvidos e entranhas, algo pertinente pra dizer, pra escrever aqui nesse espaço e nada encontro. Como é estranho não ter peso, nem densidade o suficiente para parir linhas escritas, alguns dizeres ou historietas, que seja. É assim que eu estou. Que me encontro. Leve e sorridente e cheio de dentes que não cabem dentro da boca, é quase como um vazio, eu estou vazio, um vazio que transborda, que ecoa, uma pausa musical, que ressoa, que não cabe dentro, que não se prende, que não se guarda, que quer se doar, não quer mais doer, latejar. E como nada tenho por hora pra dizer, só me falta sorrir e cantar um samba.

Primo Ferreira

sábado, 5 de julho de 2008

Velhas lembranças.


Dia de chuva, o LP de Clara Nunes tocando na velha vitrola, disco mais velho do que eu sou agora, muitas lembranças acalentadas pela voz forte e quente de Clara, um tímido frio de julho gotejando ritmado lá fora, a luz difusa expondo a exata cor de cada coisa, lá fora os verdes, amarelos e vermelhos das folhas e flores, fachada das casas e velhas igrejas, aqui dentro, um cheiro de feijão novo que vai ocupando todos os espaços da casa, um cheiro quente do feijão, o chiado da panela de pressão e a voz quente da Clara guerreira a cantar estórias de pretas velhas, sorriso largo de avó a se divertir com criança correndo atrás do cachorro pelo terreiro, de pé no chão e boca manchada de manga espada, colhida no pé, é o que a voz quente de Clara me conta nessa manhã fria de julho, estórias muito mais velhas do que eu serei um dia, quase tão velhas quanto a chuva que lá fora bate palmas ritmadas a acompanhar os sambas de Clara Nunes a rodar na vitrola.

Primo Ferreira

As Conchas.

As conchas cantam, mesmo longe do mar, mesmo sem ninguém para ouvir, simplesmente cantam, são como os passarinhos, como o vento tocando de mansinho a folhagem seca do outono, que caem no chão e dançam loucamente de satisfação e arrepio. As conchas cantam a música que aprenderam com a praia, a música das ondas esparramadas na areia, um chiado, quase um sussurro, um segredo, as conchas querem nos contar o segredo das ondas do mar.

Primo Ferreira

sábado, 14 de junho de 2008

A quenga mais nova da cidade.


Um cardume de piranhas invadiu a praça da pequena cidade, pânico entre os moradores, homens amedrontados, choro desesperado das mulheres, crianças corriam de um lado para o outro, o padre se benzia, o juiz se escondia e o delegado sem saber o que fazer, até que a rapariga mais jovem e mais bonita da pequena cidade ficou sabendo do acontecido, vestiu o seu melhor vestido, calçou seu sapato de domingo, se perfumou toda, pintou os lábios de vermelho sangue e foi para praça tirar satisfação com as outras piranhas, por que, quenga por quenga, a rapariga daquela cidade era ela.

Primo Ferreira

outro pedaço.


ÀS VEZES SONHO COM BALEIAS NADANDO ENTRE NUVENS,

BANDO DE BALEIAS PASSANDO, OUÇO O CANTO DELAS E CORRO ATRÁS.
COMO CRIANÇA QUE CORRE ATRÁS DE PIPA,
COMO CACHORRO VIRA-LATA ATRÁS DE PNEU DE CARRO
E SEMPRE ACORDO COM A BOCA SECA, O CORPO MOLHADO DE SUOR.
E UM SORRISO BOBO E INSANO ENGESSADO NO ROSTO.

PRIMO FERREIRA

Mais um pedaço.

Brincadeira de sombras.
Vai se aproximando o crepúsculo e as sombras começam a se espreguiçar, se esticam todas como se quisessem nos largar. Quando eu muito menino perguntei a mainha, porque as sobras sempre tentavam nos fugir nos fins de tarde? e mainha me respondeu que elas estavam indo buscar a noite para podermos dormir e elas, as sombras, poderem brincar com todas as outras sombras, então eu perguntei a minha mãe se a noite era um monte de sombras brincando juntas e mainha sorriu.

Primo Ferreira

Primeiro Pedaço.

O mundo dentro de mim tenta escapar, ganhar novos horizontes, vista nova, se mostrar. O mundo dentro de mim quer aprender a andar, correr, quiçá voar, quer subir em pé de manga e se lambuzar, tem medo do mar, mas adora brincar na água, nadar de olhos abertos, tentar boiar. O mundo dentro de mim canta baixinho, gosta de um carinho, de sorrir sem grandes motivos, de chorar escondido, gosta de cachorros meio bobos com olhares carentes, de gatos meio esnobes, lânguidos e independentes, se encanta ao ver passarinhos voando livres, crianças correndo livres, velhinhos com sorriso solto. Meu mundo dentro de mim é assim, um dia é meio bobo e carente, noutro lânguido e independente, mas sempre querendo escapar, aprender a voar, soar como música ao vento.

Primo Ferreira