sábado, 5 de julho de 2008

Velhas lembranças.


Dia de chuva, o LP de Clara Nunes tocando na velha vitrola, disco mais velho do que eu sou agora, muitas lembranças acalentadas pela voz forte e quente de Clara, um tímido frio de julho gotejando ritmado lá fora, a luz difusa expondo a exata cor de cada coisa, lá fora os verdes, amarelos e vermelhos das folhas e flores, fachada das casas e velhas igrejas, aqui dentro, um cheiro de feijão novo que vai ocupando todos os espaços da casa, um cheiro quente do feijão, o chiado da panela de pressão e a voz quente da Clara guerreira a cantar estórias de pretas velhas, sorriso largo de avó a se divertir com criança correndo atrás do cachorro pelo terreiro, de pé no chão e boca manchada de manga espada, colhida no pé, é o que a voz quente de Clara me conta nessa manhã fria de julho, estórias muito mais velhas do que eu serei um dia, quase tão velhas quanto a chuva que lá fora bate palmas ritmadas a acompanhar os sambas de Clara Nunes a rodar na vitrola.

Primo Ferreira

As Conchas.

As conchas cantam, mesmo longe do mar, mesmo sem ninguém para ouvir, simplesmente cantam, são como os passarinhos, como o vento tocando de mansinho a folhagem seca do outono, que caem no chão e dançam loucamente de satisfação e arrepio. As conchas cantam a música que aprenderam com a praia, a música das ondas esparramadas na areia, um chiado, quase um sussurro, um segredo, as conchas querem nos contar o segredo das ondas do mar.

Primo Ferreira