sexta-feira, 28 de março de 2014

O tempo.

Ele nos espreita, nos observa, nos persegue, com o dedo em riste,
aponta-nos na rua, nos assovia e nos chama pelo nome,
observa nossos passos,
sorri e diverte-se.
Ele vive no nosso encalço.
Gato malhado brincando na noite escura com sua presa,
indefesos, encolhemos e tentamos nos proteger do golpe.
Vez em quando nós nos perdemos em nossos devaneios, incertezas e medos.
Nos Jogamos do alto da montanha da perdição, no cume de um edifício de vidro onírico qualquer, na frente um horizonte que se distorce e arcos e círculos,    
para a noite eterna, sem asas, sem pára-quedas, de olhos abertos querendo perder os dentes de tanto sorrir.
Viver é um risco e só vale a pena se assim for, apesar do medo real e substantivado, que jorra do nosso inconsciente pra fora.
De nada adianta a segurança irreal das torres altas, das janelas engradadas, das cercas farpadas, 
ele nos alcança, nos aponta seu indicador ressequido e nos cobra.
Caminha leve e despreocupado, como num filme antiquado, 
com sua coleção de ossos dependurado no bolso,
pequenas falanges e falangetas que lhes servem de adorno,
escuto o chacoalhar de seus guardados,
sinto-lhe o cheiro e caio morto de medo.
Sempre imperceptível quando chega, se espalha, ele esborra, 
inunda e ocupa todos os espaços.
Ele é aço, é éter, líquido amniótico, areias antigas de antigas ampulhetas,
é nosso mais velho amigo, íntimo e indesejado,
que chega sem ser convidado, se instala e não vai mais embora.


Primo Ferreira