sexta-feira, 17 de julho de 2009

Pra que requentar a janta se a temporada de caça está reaberta?

Pus a chaleira no fogo e um disco de Dalva de Oliveira pra tocar, enquanto preparava-lhe o jantar, vestida de dona de casa, peguei o alho e amassei seus bagos, cortei as cebolas e chorei , cantando alto, enquanto o disco girava na vitrola eu rodopiava num chinelo velho de borracha;

Vou fazer um peixe de forno pro meu homem, com a dedicação de quem não sabe fazer nada melhor na vida;

A chaleira apitou, o lado do disco terminou, mudei o lado, coei um café forte e amargo, do jeito que ele prefere, sempre fui mais das coisas doces e suaves;

Pus na mesa os pratos que ganhei de mamãe, a travessa com o pescado no forno e, antes de tomar banho, coloco outro disco pra rodar, Ângela Maria, agora é ela quem vai cantar enquanto eu vou pro chuveiro, um banho demorado e caprichado, cabelos, axilas, coxas, seios, vagina, com uma atenção que geralmente não dedico pra mim, me preparo para ele;

Coloco o vestido de brocado que ele me deu ano passado, meu melhor sapato, quase me afogo com o seu perfume preferido, me pinto, de vermelho a boca e nas maçãs do rosto, nos olhos, risquei-os de preto, coloquei os cabelos pro alto e prendi-os só para ele ter o prazer solta-los;

O lado do disco acabou, viro-o, já está na hora dele chegar, o peixe sai do forno pra mesa, ajeito meus peitos, ponho-os quase pra fora do decote pra que eles vejam meu homem chegar, corro ao espelho, sempre fica uma mancha de batom do dente, agora sim, tudo perfeito, sento-me à mesa a esperá-lo, eu, seu o prato principal nesse banquete;

Oito, oito e meia, nove, neve e vinte, nove e meia, nove e quarenta, dez, dez e um, dez e dois, dez e três....

O sol bate na porta da retina, percebo que o disco de Ângela ainda chiava na vitrola, na mesa o jantar jazia intocado e frio e eu, posta à mesa congelada, a boca desbotado, maçãs murchas despencando do rosto, os olhos vermelhos de desgosto e os cabelos pesando nos ombros;

O tempo já não passavam, cada segundo congelado no freezer, entre carnes e peixes congelados;

Respiro fundo, levanto, tiro o disco da vitrola, o vestido jogo fora, junto com o jantar, com travessa e tudo, o perfume e o sapato, só guardo os pratos pois foi mamãe quem deu;

Lavo do rosto a pintura, lavo também o corpo e a casa toda, vou pra rua e compro um novo vestido, com um grande decote na frente e nas costas, sapado salto agulha e um vidro novo de perfume tipo francês, ponho-o na nuca, no pulso, atrás dos joelhos e no colo dou três borrifada, pinto de novo a cara, abro portas e janelas, arrumo meus peitos para que eles possam espiar a rua, a abro um belo sorriso e espreito o momento de dar meu bote, pra que requentar a janta se ainda tenho pernas firmes e belos peitos? a temporada de caça está reaberta!

Primo Ferreira

3 comentários:

Fred Feitosa disse...

Hummm... queria eu também ter belas pernas e lindos peitos..rs.

Unknown disse...

Pois eh, pra q? Rsrsrs
aprovado!

Unknown disse...

A ideia é se valorizar e estar ao lado de quem nos valoriza, o resto é selvageria, Edu, lei da selva, sem piedade, um passo atrás de uma ideia de humanidade!