quinta-feira, 3 de julho de 2014

A GATA, O RATO E O OUTRO.


Carlos ligou para Maria, queria dela uma resposta, Carlos não conseguiu o que desejava, ela não estava, tinha saído com o Roberto, bem que ele já suspeitava. Maria sempre foi desejada por Roberto, que nunca teve coragem de se declarar, era seu confidente, ombro amigo, um atento ouvido, companheiro para as horas incertas, pobre Roberto, nunca recusou um pedido de Maria, seu colo sempre esteve disponível, olhos sempre voltados para ela, seus melhores conselhos, sua atenção. Roberto, então, sofria sempre em silêncio, sempre presente, sempre ao lado, sempre ouvinte, sempre calado, sofrendo por paixão e por medo de revelar suas reais intenções à Maria. Por Maria, ele abria mão, nunca se arriscaria perdê-la, não imaginava ele, que nunca a tivera, que nunca a teria. Maria, sempre foi daquelas que não se prendia, indomável criatura do dia e das noites frias, Maria sabia se esquentar com Carlos e requentar a atenção e a dedicação do Roberto, era ele que estava preso a Maria, não ela a ele. Carlos sempre suspeitou dos sentimentos do Roberto, Maria nunca aceitou ou fingiu que não entendia o que Carlos dizia das intenções do Roberto, ela garantia que nunca percebera nada, apesar de tão evidente, era muito conveniente pra Maria, ter o Roberto em suas mãos, sem se comprometer com um, nem com as suspeitas do outro, ela não intencionava, de fato, corresponder a altura, as intenções do Roberto e as suspeitas de Carlos. Era um jogo, era um não sei o quê, Carlos com ciúmes, Roberto e seus queixumes, Maria fingindo não entender. Carlos sofria, Roberto sofria, Maria fingia sofrer. Um olho sempre atento, sempre buscando alento; outro marejado, avermelhado e ciumento e os grandes e belos olhos dissimulados de Maria. Ah, como ela sabia, sim, Maria sempre soube jogar, era da sua natureza, era o preço por sua beleza, enganar, isto ela sabia fazer muito bem, quase sem querer, desde sempre, aprendeu cedo a sentir prazer em iludir, é de família mentir, é do gênero feminino, é o natural das mulheres. Uma voz meiga e rouca; outra que buscava em vão uma resposta, um retorno ou um pouco de atenção e a não voz do Roberto, que sempre se calava na presença de Maria, ele, que nunca falava, ele que passa horas e dias só ouvindo as histórias e lamentações de Maria, ele que sofria calado com as confissões amorosas, dela com Carlos, dela sobre Carlos, dela até com outros, nunca com ele. Ela vivia, Roberto sofria, Carlos sofria; uma de prazer, um de dor, outro por ciúme. Sim, Maria sabia controlar a situação, nunca punha um ponto final em nada, sempre colocava reticências em tudo, não se desfazia de seus guardados, Maria era muito apegada, punha tudo na estante, entre a prataria e a coleção de biscuit. Mas um dia, Carlos, que percebeu o seu papel no jogo de Maria, tratou de tirar seu time de campo, partiu em busca de disputas mais equilibradas, travar outras altercas com adversárias mais justas, Carlos queria jogo limpo em outras cercanias. Roberto permaneceu esperando, dele, foi Maria que se encheu, entediou-se com sua pequena e indefesa presa, que não impunha nenhuma resistência aos seus golpes, Roberto era uma presa morta, sem vida, sem vontade própria, a gata decidiu pular fora e o cão ficou sem dono.               

Primo Ferreira.

Nenhum comentário: